sexta-feira, 30 de março de 2018

Festin 2018


Festin é o festival itinerário de cinema lusófono que acontece anualmente em Lisboa para além de se deslocar para qualquer outra parte dos territórios onde se fala a língua portuguesa, com o calendário previamente agendado.
Já começa a ser uma presença no Festin a participação de São Tomé e Príncipe no festival de cinema lusófono.
No presente ano a ilha verde do equador participa com filme de três realizadores e com o realce para a primeira participação feminina no festival. Kátia Aragão só pela sua presença já faz história no Festin e na cinematografia santomense. O Nilton Medeiros e Hamilton Trindade são os outros dois realizadores que completam a participação santomense neste evento.
Há tantas necessidades em São Tomé e Príncipe que tudo torna-se prioritário e o audiovisual não é excepção. Nesta área em todas as suas categorias, que vão das curtas, documentários, animação aos longas metragens está quase tudo por fazer relativamente a conteúdos que caracterizam a identidade, cultura e a vida dos santomenses em geral. E os três filmes que participaram neste festival contribuem (neste sentido) para melhorar a produção de filmes nacionais e elevar o seu reconhecimento no espaço lusófono e contribuir para documentar a história comum desses países, como é o caso do trabalho do realizador Nilton Medeiros e a sua equipa com a reportagem premiada “Os Serviçais”.

“Os Serviçais” é um documentário que retrata a vida dos serviçais nas roças de São Tomé e Príncipe. Baseia-se num conjunto de entrevistas aos contratados e outros protagonistas que testemunharam este facto histórico e outros que opinaram sobre os mesmos. 



“Mina Kiá” realizado pela Kátia Aragão é uma curta metragem ficcionada que conta a história de uma menina pobre acolhida por uma família bem posicionada socialmente. 
“Sonhos do Equador” é um documentário que fala da motivação dos jovens santomenses para ultrapassarem as diversas barreiras socioeconómicas do país para atingirem o sucesso pessoal e profissional. É uma crítica ao sistema do estado nacional com inercia/incapacidade até ao presente momento em encontrar soluções para os diversos problemas que a juventude deste pequeno país enfrenta. …


O Hamilton Trindade apresentou uma reportagem sobre o sonho actual dos jovens santomenses e mostrou o que pensam os jovens que conseguiram ultrapassar as barreiras socioeconómicas para atingirem o sucesso no arquipélago.
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Festim é um palco privilegiado que serve de estímulo para que os realizadores nacionais produzam mais e melhor e aproveitem esta montra para darem saltos para outros festivais internacionais.
Exige-se qualidade cada vez mais alta para que São Tomé e Príncipe esteja sempre representado no mais alto nível.

O Tabernáculo

Lisboa é uma cidade aberta cada vez mais ao mundo, onde as pessoas se cruzam no conforto dos diversos sítios da sua urbanidade acolhedora. Os bares são um dos exemplos muito carismáticos que caracterizam a urbe lisboeta e onde as pessoas se predispõem para o diálogo espontâneo.

Neste contexto, a Plataforma Cafuka escolheu o Tabernáculo como o ponto de encontro para se comunicar através da arte e dialogar sobre cultura urbana com destaque para as temáticas mais oportunas da actualidade da cidade cosmopolita.
O Tabernáculo é um espaço urbano de referência lisboeta para os conhecedores da cidade. Para nós, simbolicamente, é uma caverna de cultura, onde o encontro com a arte é surpreendente e apelativo para a redescoberta e o envolvimento com o espaço e as pessoas. E dá nome a este projecto de arte.

Tudo aqui surpreende!

Em estilo vintage, o Tabernáculo se compõe em secções espaciais distintas em que a sala expositiva se posiciona ao fundo da sala como o lugar menos movimentado. O ideal para vesti-lo de arte e o melhor para uma conversa mais tranquila, animada ao som gravado ou ao vivo na campainha de um bom vinho...

É um desafio enormíssimo criar-se um projecto expositivo para um espaço não especializado e com as características do Tabernáculo. Esta dificuldade é a maior motivação para os artistas deste grupo trabalharem numa programação e uma estética que funcione para o efeito. Nesta iniciativa, o propósito não é somente colocar as telas na parede. É, sim, montar um ambiente que desperte atenção e provoque motivos para conversas sobre a arte e a cultura.

Na perspectiva de levar a arte de encontro às pessoas num espaço social em que elas não esperam observar pinturas, é um propósito para elevar ou eleger outros lugares alternativos a espaços de cultura de qualidade. Lisboa é uma cidade com muitas ofertas, mas ainda está longe de ter espaços para todos os criadores que nela habitam. Por isso é que o desafio para criar propostas alternativas continua a ser necessária e emergente.
Neste projecto participam os artistas plásticos de origem santomenses que procuram este diálogo discreto com um público inesperado. Sem provocarem grandes ecos nas plataformas de divulgação convencional.

A arte está no Tabernáculo para ser descoberta tal e qual como se fossemos ao interior numa gruta ou caverna para descobrirmos algo de bom. Algo de belo para fruirmos.
Entre março e junho de 2018 o Alex-Keller Fernandes, o Estanislau Neto, o Eduardo Malé, Eva Tomé, Ismael Sequeira, o José Chambel e Valdemar Dória são os artistas que lá estão para surpreender o público com os seus trabalhos.



Kussy | Entre os Murais e o Corpo Humano


Artista contemporâneo referenciado na atualidade  artística angolana como um dos mais competentes quadros humanos promissores com potencialidades para fazer crescer, formar e contribuir para melhorar o olhar artístico da juventude do seu país.

Paulo Kussy nasceu em Angola em 1978 e muito cedo viajou para Portugal com os seus familiares onde estudou em todos os ciclos de ensino, concluiu a sua formação académica em artes plásticas pintura e especializou-se em anatomia artística pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

Como artista, o Kussy inicia-se pelo desenho, encontrando na expressão da pintura graffiti e murais a linguagem para se comunicar com o mundo numa atitude de alguma irreverência da própria juventude, por influências doutros jovens que gostavam igualmente da adrenalina e o espírito autêntico reconhecido desta arte das paredes urbanas e suburbanas da grande região Lisboeta. É em Oeiras e arredores que o artista encontrou o espaço para explorar as pinturas murais, conquistando territórios assinados com propriedade de combatente urbano assumido como Yssuk. Este nome é o elemento mais relevante na sua fase inicial que compõe muitas das variantes compositivas dos painéis pintados por Paulo.



Quanto mais pintava, mais assumia a sua condição de artista plástico e gradualmente vai deixando de ser Yssuk para assumir a sua real identidade como Kussy, enquanto homem livre e aberto para o mundo.
Esta condição de sujeito universal, sempre preocupado com a espécie humana e a sua dimensão no universo, vai se refletir nos seus futuros trabalhos como artista plástico. Desenhador rigoroso, conhecedor da história das artes e admirador da beleza humana, o Paulo Kussy escolhe a figura humana como o elemento mais importante nas suas composições tal como os artistas mais clássicos o fizeram durante toda a história das artes. O seu interesse pelo conhecimento do classicismo e pela anatomia humana assumem a transcendência do seu olhar criativo assim como o rigor geométrico na idealização e construção espacial elevam-se em jogos oníricos, representados num ambiente erótico muito peculiar deste artista angolano.

O que é muito interessante questionar-se também nas suas telas (e em todo o seu trabalho) é ausência de elementos iconográficos e registos conceptuais que o rementem para uma certa espacialidade africana ou particularmente angolana. O seu elevado conhecimento literário e a influência da cultura europeia presenteiam o observador, estimulando-o para uma contemplação mais universal, como acima anotei. Não é mais importante fazer da identidade angolana a sua abordagem temática. É fundamental, sim, refletir  com maior amplitude para além do território continental africano onde todos os seres humanos se cruzam, construindo uma relação mais harmoniosa entre si distanciando-se de todos os conflitos que têm caracterizado as sociedades modernas de todos os continentes. Afinal de contas, os seres humanos vivem e enfrentam problemas semelhantes na esfera terrestre. Daí a necessidade de observar, estudar, analisar questões comuns da humanidade que reflitam  e elevam o pensamento e atitude humana para um nível superior.
As suas figuras desenhadas sempre em clássico nu de poses exaustivamente estudadas até ao mais ínfimo detalhe de elementos musculares, ao contrário do nosso entendimento básico, é uma representação que coloca o sujeito no seu no plano ideal. Um plano em que a beleza anatómica modela o espaço social de uma arquitetura edificada por idealismo mais puro da mente das pessoas.

São essas premissas que nos ajudam a ler e entender muitas das pinturas deste artista que herdou os valores do classicismo e bem os trouxe para a contemporaneidade.
Tanto nas pinturas murais como nas telas a grande escala condicionam a elaboração estruturada da composição de cenas imaginadas ou recriadas a partir de apropriação de outras obras conhecidas da história de arte criando ambientes novos para impressionar e satisfazer a fruição do observador.

Constatamos as preocupações e a necessidade de comunicação do Kussy ao analisarmos os seus projetos artísticos dos últimos quinze anos. “ANATOMILIAS I”, “ANATOMILIAS II”, “Fitas Magnéticas”, “Despindo a Pele” e outros ensaios são exemplos conseguidos de crescimento e alcance de maturidade criativa fazendo do Paulo Kussy um artista que experimenta a poesia pintada num registo apelativo para qualquer escritor admirador da narrativa muito descritiva. Na simplicidade como apresenta as suas ideias aponta elementos de elevada curiosidade contemplativa fertilizando a mente de qualquer observador. Há sempre detalhes por descobrir cada vez que se observa as suas pinturas. Entre um fundo liso ou de paisagem urbana, as figuras despidas que nelas habitam quase visualmente construídas como máquinas cuja dinâmica compositiva espelha ideias dum mundo que só habita na mente deste criador.

Do conjunto das suas obras de uma policromia muito intensa em contrastes quentes e frios experimentamos no exercício do olhar a necessidade de preenchermos os espaços vazios ou preenchidos das suas telas como se o próprio observador estivesse dentro da composição.

Convida-nos a entrar mentalmente na cena!
As grandes escadas destas composições permitem-nos participar na alegoria encenada pelos seus habitantes pintados em linhas graficamente expressivas para conquistar a espacialidade cenográfica…

Assim, tanto o Yssuk como o Kussy, ambos se comunicam com o mundo pela monumentalidade dos seus painéis ou a entrega gingante da sua espiritualidade para aproximar-se da essência que ambiciona estar mais próximo do poder divino: o poder da criação.




Fonte: Plataforma Cafuka
http://cafuka.com/paulo-kussy