quinta-feira, 25 de maio de 2017

O Dia de Ádrica


Em Portugal, os africanos genericamente comemoram o dia 25 de Maio. Comemora-se de várias formas, independentemente das suas religiões, formação política ou quaisquer outras ideologias ou convicção.

Neste dia o foco é África.

Entre o rufar dos batuques, festas com comeretes apelativos evocando o berço da humanidade como a terra mãe, os comerciantes de todas as áreas de negócio aproveitam este marco para venderem os seus produtos de matriz africana, que vão desde o artesanato, tecidos, esculturas, objectos decorativos, moda, arte. Produz-se em todo o país eventos como debates nas universidades e algumas escolas secundárias. Mas só a RDP África não silencia a sua edição com programas dedicados ao dia.
Porquê 25 de Maio?
Neste dia de 1963, na Etiópia, foi criada a Organização da União Africana, com o objetivo de defender e emancipar o continente africano. Nove anos depois, a Organização das Nações Unidas estabeleceu o dia 25 de Maio como o Dia da África ou o Dia da Libertação da África. Em 2002 a OUA foi substituída pela União Africana mas a celebração da data manteve-se. O simbolismo desta data nos remete para a ideia duma África mais unida, livre, independente e desenvolvida. O continente que se libertou da colonização das potências europeias e do regime do Aphartaid continua cooperante com as ex-colónias e muito dependente destes.
Esta data é comemorada em todos os países africanos e os africanos residentes nas diásporas também a comemoram.
Em Portugal a maior parte dos africanos conhecem este dia e não ficam indiferentes a data. Vê-se senhoras, jovens e homens nas ruas vestidos com trajos que os identificam ao continente considerado o berço da humanidade. Em algumas escolas e universidades onde a presença africana é grande, realizam-se atividades consagrados ao dia. Festas, debates, exposições de arte e conversas espontâneas sobre diversas realidades deste continente são vividas com intensidade por diversas comunidades e associações socioculturais e de afrodescendentes…

Sevem somente estas festas para que os africanos se divirtam sem qualquer outro significado?
Penso que data deve ser levada mais a sério para justificar a sua existência desde a sua origem.

Atualmente, África é um continente que vive com alguma liberdade política pós-independência, mas enfrenta enormes problemas e desafios para os superar.
O 25 de Maio deve ser um dia de capital importância para os africanos, sobretudo, um dia de tomada da consciência africana para que o povo e as suas elites em toda a parte do mundo façam algo de positivo para continuar a estimular o desenvolvimento deste continente com imensos recursos naturais, mas pobre, com miséria, fome e guerra pela sobrevivência.
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O mais interessante questionarmos, é como em África as pessoas pensam sobre este dia. Mais do que isto, é saber como e o que os africanos podem fazer, a partir do entendimento da importância desta data, para produzir pensamentos ou ações que efetivamente oriente o velho continente ao desenvolvimento humano e económico.
Na Europa, os africanos isoladamente nada podem fazer para a alteração do paradigma de governação e orientação do que deve ser o modelo mais assertivo para dirigir os países de África.

As pessoas ou as organizações que actuam na Europa podem, sim, se organizarem e criarem programas sociais, educativos e empresariais como forma de participarem com maior vigor na vida dos respectivos países. Todas as acções devem ser feitas com o conhecimento ou parceria do governo.
Infelizmente toda a economia feita em África é aplicada na Europa em vez de ser reinvestida no respectivo continente. Pequenas e grandes remessas são sistematicamente enviadas para o Ocidente com o objectivo de absorver os produtos europeus.

África tem que produzir mais. Os africanos têm que fazer mais para sí próprio.
Que projectos os africanos em Portugal, por exemplo, para elevar a sua presença no domínio cultuaral? As organizações existentes que ambições têm para cumprirem este objectivo e abrirem o espaço para a melhor integração na sociedade portuguesa?
O Artáfrica, promovido pela Fundação Gulbenkian na sua fase inicial, é na minha modesta opinião, o único projecto que tem servido a escala internacional para a divulgação e conhecimento dos artistas africanos de expressão portuguesa com um pragmatismo extraordinário.

Quais são os africanos em Portugal que estão a trabalhar no sentido de se ter neste país o centro de arte e cultura africana de referência? Vamos sempre estender as mãos e continuar à espera dos outros para fazerem algo por nós?

No domínio da arte e da cultura, em Portugal, os africanos têm sido quase inertes em iniciativas culturais consistentes que promovam projectos de grande interesse e sustentáveis.
A arte ao serviço do desenvolvimento é o novo e o único meio eficaz para a melhor intervenção e participação dos artistas na busca de soluções de diversos problemas da sociedade no domínio social, económico e cultural.
A arte pela arte não sobriverá ou não trará dividendos de sobrevivência se os artistas pensarem exclusivamente na estética.
A solução para os artistas africanos é a busca de trabalho, produção e comercio cultural num modelo que as indústrias criativas actuais propõem e os mesmos gozarem de liberdade de serem empreendedores e realizarem projectos sustentáveis.
Só.


domingo, 14 de maio de 2017

O Paradoxo das máscaras

Estanislau Neto, Portugal, 2017. Foto: José Chambel. Fonte: Cafuka

Estanislau Neto é filho de pais santomenses e nasceu na década de setenta em N´Dalantando, na província de kwanza Norte, Angola.
Desde muito cedo revelou o gosto pelo desenho. Incentivado pelo meio pré-escolar, começou por fazer desenhos mais elaborados em comparação com os seus colegas de classe, sempre com a preocupação estética em mente.
Elegeu a disciplina de Educação Visual como a favorita ao longo do seu percurso escolar, onde obteve sempre notas mais altas em relação às outras disciplinas, na perspectiva de seguir no futuro uma carreira no domínio das belas artes.
Aos sete anos de idade acompanhado de seus familiares, regressou para São Tomé e Príncipe, viagem à terra natal dos pais, com a finalidade de ali fixarem residência definitivamente, evitando o ambiente de conflito militar que desencadeou-se em Angola na altura entre a UNITA, FNLA e o MPLA. Desde então, passou a viver nas ilhas maravilhosas até a idade adulta. Enraizou-se e envolveu-se naturalmente dentro da cultura santomense, facto que o levou a adoptar a nacionalidade dos seus pais. E desta terra, deve toda a sua formação como homem e artista, enquanto que de Angola recorda algumas memórias visuais de infância, nomeadamente as máscaras e o carnaval.
Como estudante participou em vários eventos escolares a nível de exposições de pintura e somou prémios em concursos de desenho e pintura. Esses eventos proporcionam-lhe alargar o seu leque de amizade com vários artistas e participou na fundação da AAPLAS – Associação dos Artista Plásticos Santomenses. Num ambiente fértil à criatividade, neste meio associativo desenvolve vários projectos de pintura e o seu crescimento como artista foi notabilizado ao ponto de destacar-se entre os artistas mais novos no grupo e participar em exposições colectivas no país e no estrangeiro, tais como a IV e V bienal arte contemporânea bantu no CICIBA, as jornadas luso-bantu no Centro Cultural Português em São Tomé, artistas santomenses no Centro Cultural Português em Luanda, atelier George N’Bourou-Libreville (Gabão), pintura mural na sede do PNUD em São Tomé entre muitos outros projectos artísticos.
Trabalhou como professor no Ensino Secundário de 1990 à 1998 e foi decisivo na orientação e na formação de alguns novos valores que se despertam actualmente no mundo artístico santomense que se tem tornado cada vez mais exigente.



Nos últimos cinco anos uniu-se aos artistas de origem santomense em Portugal e fundaram a Plataforma Cafuka, uma associação onde teve a oportunidade de participar no projecto URB e experimentar várias intervenções urbanas como alternativas expositivas de grande visibilidade na cidade de Lisboa.Neste momento reside em Portugal onde frequentou o curso de Decoração e Arquitectura de Interiores, curso tecnológico da IATA – Instituto de Aperfeiçoamento Técnico Acelerado em Lisboa e no domínio das artes plásticas tem participado em alguns projectos na busca de novas experiências.
Estanislau Neto é um artista inquieto que procura constantemente novos desafios tentando acompanhar o ciclo natural da evolução artística que se tem feito sentir ao longo dos tempos e dos séculos até a actualidade.
Assim, ele está atento a tudo o que o rodeia e com a sua sensibilidade apurada observa com muito interesse as grandes questões humanas e a transformação sociopolítica que ocorre no mundo, com o destaque para os assuntos africanos e a construção da identidade santomense.
Entre a figuração humana e o abstracionismo, o artista inicia o seu percurso pela representação paisagística e durante o seu curso evolutivo experimenta diversas linguagens em simultâneo.
Influenciado pelo pintor Protásio Pina, as obras do Estanislau Neto recria as paisagens da ilha inspiradas no ambiente natural e nas cenas do quotidiano popular.
Mas a afirmação do seu trabalho só é notado nos finais dos anos noventa inserido no movimento dos artistas da AAPLAS, na qual nas composições figurativas de mulheres africanas revelavam em simultâneos ensaios de elementos abstratos, sobretudo padrões geométricos na busca incansável das matrizes de origem africana continental.
Nesta busca identitária continental, procura estudar as expressões das máscaras como o elemento mais conhecido da cultura africana muito falada no seu ambiente social e através da infografia livresca existente no país insular.
No seu último projecto plástico, desenvolve estudos da mímica infantil procurando explorar a verdade da inocência das crianças em contra ponto do cinismo do sujeito adulto que esconde os seus sentimentos e toda a verdade por detrás de falsas máscaras do olhar. O artista sente que é no olhar humano onde a verdade se revela e pode construir a narrativa da felicidade. E o sorriso é a manifestação desse sentimento excelentemente representado nos seus desenhos actuais.



Ao contrário do que tem sido a riquíssima paleta cromática, o pintor através do sorriso e gargalhadas representadas, opta por uma paleta monocromática reveladora da simplicidade interior que entende fluir desta verdade que procura com alguma dificuldade, ainda, de explicar através do discurso oral. Mas o sorriso está aí, presente negando as contradições iconográficas e psicológicas que só o discurso antropológico revelaria por um lado os sinais de busca identitária e por outro lado a psicanálise a explorar os sinais ideais de um novo universo tanto desejado pelo artista como modelo de sociedade.O Estanislau quis através do sorriso trazer uma imagem de alegria que refletisse o futuro das crianças, na realidade de territórios onde estas constituem o maior número populacional, a memória da sua infância, num momento em que o mundo vive momentos muito difíceis.
E particularmente a sociedade de São Tomé e Príncipe sendo muito complexa e a leveza do universo infantil trazendo outras formas simples de observar o mundo, numa abordagem não muito comum, com temas de alegria das crianças representados nas artes, comunica a ideia de esperança de um país melhor segundo a opinião do artista.
Actualmente o artista plástico representa o país na VI Bienal de Arte e Culturas Lusófonas em Odivelas, onde mostra as suas pinturas da série “Sorrisos”, no Centro de Exposições de Odivelas, patente ao público até finais de Maio.

Fonte: http://cafuka.com/estanislau-netoIsmael Sequeira, Maio de 2017.