domingo, 3 de dezembro de 2017

A Criação de uma Identidade, ou uma "santomensidade" em devir


“A construção de uma identidade” é um projeto de desenho, pintura e instalação, que a partir de referências do passado político, cultural e social de São Tomé e Príncipe, propõe construir novas identidades (fictícias ou não), tendo em conta um novo espaço geográfico, apropriando-se de lugares públicos para expor os seus objetos criativos.

Preocupado com a universalidade da expressão e comunicação das suas propostas estéticas, constrói o seu discurso artístico através de alavancas ecléticas, recorrendo a uma simbiose de valores que entende que são próximos dos da sua matriz cultural.
Este projeto, que vem ganhando corpo desde 2014, é concebido através de uma análise crítica, surgindo estruturado em quatro momentos fundamentais:

1 – A(s) Ideologia(s) presentes na formação dos santomenses, no período pós independência, na qual é analisada a importância do socialismo e do comunismo para a construção de uma nova matriz sociocultural e política do novo santomense. Desenvolvimento de retratos e elaboração de ícones que fizeram de São Tomé e Príncipe um país sem rumo ideológico, apesar do esforço da educação/disciplina marxista-leninista.

2 – Pinturas refletindo memórias de infância e dos pioneiros, numa exemplar captação de valores e comportamentos dentro do regime inicial da independência política.

3 – Análise da consolidação da identidade socio-política, procurando compreender os santomenses através dos sinais do tempo. Verificando-se quase um interesse em fazer um exercício de arqueologia, procurando vestígios dos ideais introduzidos nas ilhas depois da descolonização.

4 – Realização de instalações, procurando construir novos espaços expositivos a partir das ideias acima indicadas, introduzindo objectos escultórios, desenhos, pinturas, colagens, inscrições, entre outras disciplinas artísticas, que juntas, numa cenografia sofisticada, transmitem uma mensagem estética do atual panorama artístico universal.
Este projecto pode ser entendido como um regresso das caravelas, ou dos seus filhos - nascidos nas ilhas do Equador africano - à metrópole, impondo uma nova simbiose, que espelhe a necessidade da aceitação da diferença num mundo contemporâneo, onde os fenómenos da migração têm sido um fator de conturbação.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Precocemente iniciei o meu caminho.

Em doze de Julho de 1979 a comissão dos festejos da independência de São Tomé e Príncipe organizou duas grandes exposições. A primeira foi a grande mostra da pintura angolana no salão de exposições do Parque Popular, na qual, entre muitos outros artistas, participaram dois grandes nomes da arte desta rica terra, Victor Teixeira (Viteix) e Eleutério Sanches - que vinte e dois anos depois haveria de conhecer em Lisboa e tornar-se um dos meus grandes padrinhos nesta cidade que ainda não sonhara vir a ser a minha.

Presto a mais nobre homenagem a estes dois senhores da arte angolana.
A segunda foi outra grande mostra da arte popular, no Pavilhão das Ilhas, uma espectacular construção em madeira que por si só se tornou um ex-líbris no Parque Popular.


Participei nesta mostra com trabalhos muito infantis, como a idade impunha, mas com qualidade criativa e de execução que não deixou os organizadores da exposição indiferentes. O meu avô materno, Veoide Pires dos Santos, conhecido no país como o maior artesão tartarugueiro, muito contribuiu para que efectivamente tudo acontecesse, pois foi o avô babado que revelou orgulhosamente os desenhos a todas as pessoas que visitavam a oficina da Chácara. O Senhor Esteves, o marceneiro da Rua do Rosário, fez as molduras desses mesmos desenhos. Molduras essas que imprimiram muita qualidade aos desenhos. Ao vê-los, tive a sensação de ser capaz de fazer um dia uma verdadeira obra de arte.
Esta experiência abriu-me as portas para continuar ingenuamente pintando, mas já com o sonho de me tornar no futuro um grande mestre das belas artes.


Nunca mais me esqueci destas duas exposições. Nunca mais! A memória revela-se resistente diante uma experiência visual e estética que maravilhou toda a minha infância e adolescência.
Em 1982, três anos depois de exibir precocemente o meu trabalho ao grande público, Ovídia, minha querida mãe, falou com Protásio Pina na Cerâmica de Almerim para que me orientasse na modelação, por se ter apercebido que eu precisava de um mestre para potencializar as minhas capacidades criativas. Eu já conhecia as pinturas de Protásio e de Cesaltino da Fonseca, que eram dois jovens artistas que maravilhavam as ilhas com os seus trabalhos, mas foi em Almerim que nos conhecemos de perto e nos tornámos amigos para sempre. Juntando-se mais tarde Filipe Santo. Um ambiente de arte e de amizade.


Aos treze anos assumo o meu caminho de futuro artista, nada mais sendo obstáculo na formação como artista plástico. Para isto muitas foram as pessoas que acompanharam de perto e contribuíram para o meu crescimento: A madre Conceição, Ovídia Pires dos Santos, a minha mãe e os meus irmãos Aplínio e Afrânio, os meus avós Hilária de Almeida e Veoide Pires dos Santos, Roberta Pires dos Santos, I.Fatima Vera Cruz, Ladislau de Almeida, José Viana, Cesaltino da Fonseca, Protásio Pina, Luís Pina, Jone, Zemé, Dona Alda Espírito Santo, Luísa Albuquerque, Júlio Campos, São Deus Lima, Eustáquio Lombá, Faustino Pires dos Santos, Manuel Silva Pereira, Manuel Lopes Poppe Cardoso, Jean Pierre, professor Maurice Elbaz, Alain Leilarvegne…


Muitos nomes ficam por escrever porque não há espaço suficiente para escreve-los. Destaquei alguns, mas é meu desejo que todos se sintam incluídos, pois sei que todos os meus amigos, sem excepção, estiveram sempre por perto e cada um com o seu contributo marcaram e vão marcando a minha vida pessoal assim como artística. 


12 de Julho de 1979 é uma data que não posso esquecer porque foi um marco que deu início a toda a minha história artística.




terça-feira, 11 de julho de 2017

Não à morte antecipada de São Tomé e Príncipe

O dia 12 de Julho, data dos festejos da independência de São Tomé e Príncipe, dentro e fora do país alguns cidadãos de forma isolada lançaram várias campanhas de manifestação do descontentamento por causa do péssimo estado de desenvolvimento que o arquipélago tem atravessado, convidando ou instigando as pessoas a vestirem-se de luto ou no facebook mostrarem o luto sob a bandeira nacional, mostrando a tristeza deste povo.
Com respeito a todas as opiniões.
O luto é a manifestação de tristeza resultante da morte duma pessoa; a morte de um grupo de pessoas; a morte de um povo. 
O facebook, para quem não sabe digo, é uma máquina da rede social que utiliza recursos de manipulação de sentimentos, por isso o dramatismo de qualquer espécie provoca mais reacções das pessoas. Por ser um meio mais mediático, o sensacionalismo e a crítica absorve maior visibilidade e reacções… Há que saber utilizá-lo.
Se São Tomé e Príncipe e o seu povo não estão na agonia da morte, penso que não devemos matá-los antes do tempo (natural).
Que é triste o estado do país e que qualquer cidadão goza do direito de se manifestar tristemente concordo plenamente. O que descordo é viver-se o luto de quem ainda não faleceu. Seria como cometer o crime de matança psicológica para gozar a tristeza com o belo prazer de se manifestar.
O país está doente, então vamos curá-lo.


Continuo a pensar que não devemos perante o paciente enfermo e sofredor, como é o povo de São Tomé e Príncipe, de luto antecipando a sua morte. Como este se sentiria? 
Motivos de tristeza? Há muitos. E também há muitas formas de o manifestar. 
O luto? O luto só depois da morte.


Esta ideia de luto daria uma bela performance artística… !
Em conversa privada com vários santomenses na rede social sobre este assunto, quase todos justificavam as razões da tristeza e descontentamento com o luto. Entretanto, o luto em si não era a razão para a manifestação porque não houve morte nenhuma. Nos fundamentos para a utilização do luto, devemos entendê-lo como sendo a cor preta. Cor esta que psicologicamente significa tristeza. Entendamos também que para um santomense a cor “preta” é também denominada cor de “luto”. Então, preto é o mesmo que luto. É um problema de linguagem e cultura que devemos entender. E por causa das particularidades desta linguagem peculiar dos santomenses, podemos entender tudo erradamente...
Observemos as imagens utilizadas nestas campanhas para fazermos o seu correcto enquadramento social e percebermos o impacto visual dos objectivos propostos pelos manifestantes cibernáuticos:


1 – imagem de cor de luto.

2 – Imagem de cor preta.


A diferença que vai de uma para a outra é o texto. Ao se utilizar a palavra “luto” sobre o quadrado preto a imagem ganha outro sentido, o que significa que existe uma clara intensão de manifestar com o luto e não com o preto. Logo, entende-se que houve morte. Ou há uma clara intenção de se matar psicologicamente o povo ou o governo. Mas o luto para o governo não é o luto para São Tomé e Príncipe em que genericamente se enquadra o povo.

E então…?

Não estou de luto do meu povo que felizmente ainda não morreu como muitos o querem fazer. Tenho muito esperança.
Por São Tomé e Príncipe sempre positivo.


 

domingo, 25 de junho de 2017

A falta de papel e materiais de pintura no início de 1980


Eustáquio Amaral Lombá. O meu amigo Lombá.

Após a morte do meu pai em Luanda, eu e a minha mãe regressamos para São Tomé em 1974. Tínhamos tudo preparado para vivermos em Angola e possivelmente mudarmos para Lisboa depois de ter vencido o concurso para trabalhar na Direcção das Finanças de Lisboa, mas a morte pregou-lhe a partida. Enfim…

Neste mesmo ano aprendi rapidamente a leitura e escrita com a minha avó Lili através do livro “João de Deus”. Foi tudo muito rápido! A febre da leitura e do conhecimento livresco levou-me a ler e quase decorar os 24 volumes da enciclopédia do tio Moreno. Queria saber quase tudo. Era curioso. Chato e perguntava muito. Falava que nem uma rádio FM. E tinha maninha que era o Leonardo da Vince da actualidade.

A guerra civil em Angola tinha se intensificado em Angola. O Tio Moreno e a tia Ticha tinha enviado quase tudo o que tinham para São Tomé e Príncipe para se protegerem da guerra inclusive, os seus três filhos, Carina, Altemiro e a Cláudia temporariamente foram se abrigar na ilha maravilhosa do Equador. De todo o bem material enviado, as enciclopédias era o que mais atraiu e mereceu a minha dedicação. Desde questões matemáticas que dada entendia (porque não sabia…) à filosofia e as artes tudo procurei saber e eram motivos de conversa que levava aos adultos que por sua vez não sabiam “patavina de nada” daquilo que eu falava e comentavam que eu era doido porque falava de coisas que só os adultos deveriam saber.

Conheci o Lombá, ainda muito novinho, quando trabalhava na secção do jornal Revolução, na rua do Rosário, através na minha mãe depois de ser a secretária da Dona Alda do Espirito Santo trabalhou nesta mesma secção do Ministério da Informação. Simpático e muito atencioso era ele uma das pessoas com quem muito conversava, dava-lhe agradáveis “secas” e pedia-lhe cartolina para desenhar. Pedia cartolina para muitas pessoas. Mas o Lombá era um dos meus fornecedores nacionais.

Também coleccionava selos. E estava habituado a fazer uma ronda mensal por todas as embaixadas estrangeiras que existiam no país, assim como em vários ministérios da função pública para pedir selos das correspondências vindas do exterior. Enquanto estabelecia contactos com diversos funcionários destes sectores fui fortalecendo a minha aproximação com estes e assim quando ia a procura de selos para a minha colecção, também pedia cartolinas para desenhar. Cada vez que o fazia, levava um desenho novo para mostrar a toda gente que encontrava pelos sítios o desenho feito. Exibia-os com orgulho. Ninguém ficava indiferente. Se tivessem cartolinas novas, davam-mos satisfeitos e esperançosos em mostrar-lhes novos desenhos.

Em 1982/83 deu-se a crise nacional a nível ambiental e a esta junta-se a económica. A seca e a escassez de todos os produtos que vão dos géneros alimentícios aos materiais escolares afectaram as pessoas de todas as classes sociais. A agravante é que só existia duas ligações aéreas por semana e os cooperantes estrangeiros eram os únicos que tinham condições de importarem diversos bens do exterior. Fazia-se na altura troca de bens importados por produtos manufacturados na ilha, incluindo obras de arte e artesanato. O Cesaltino, o Protásio Pina, o Filipe Santo, o Jone, o mestre Veoide entre outros eram os que mais trocas faziam para obterem os materiais que não tinham no país. Como ainda era criança, os estrangeiros continuavam a oferecer-me cartolina que parecia o bem mais precioso para a pintura. Os artistas plásticos pintavam mais sobre papel, porque não havia telas, panos ou nem o simples pano-cru, que tinha diversas utilidades. Servia para fazer velas para canoa, roupas de interior para homem e mulheres, roupas de trabalho para padeiros e raras vezes telas para os artistas. O saco de faria de trigo que era feito de pano-cru era um bem precioso por isso quase não restava para os artistas pela grande procura que havia.

Por conseguir um estoque suficiente para fazer os meus desenhos diários sobrava-me algumas desenhas para partilhar com os meus amigos Cesaltino, Protásio, Romeu Pascoal entre outros.

A todas as pessoas, nacionais e estrangeiras, que ofereceram-me cartolinas na infância para que eu pudesse desenhar eu agradeço do fundo do coração.

Tinha lido nos livros de história universal dos meus tios que os egípcios faziam suportes de papiro para a escrita e desenho, mas não tinha conhecimento ainda para o fazer e mesmo que o tivesse nas ilhas não existiam plantas com fibras semelhantes para o fazer. Se fosse na actualidade até faria papel de fibra de bananeira e suportes de outras plantas.
Esta realidade só começou a se alterar a partir de 1985 com a evolução das condições socioeconómicas e politica que o país viveu.

O Lombá viajou e eu continuei com os outros amigos na ilha nas aventuras de busca de material.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

O Dia de Ádrica


Em Portugal, os africanos genericamente comemoram o dia 25 de Maio. Comemora-se de várias formas, independentemente das suas religiões, formação política ou quaisquer outras ideologias ou convicção.

Neste dia o foco é África.

Entre o rufar dos batuques, festas com comeretes apelativos evocando o berço da humanidade como a terra mãe, os comerciantes de todas as áreas de negócio aproveitam este marco para venderem os seus produtos de matriz africana, que vão desde o artesanato, tecidos, esculturas, objectos decorativos, moda, arte. Produz-se em todo o país eventos como debates nas universidades e algumas escolas secundárias. Mas só a RDP África não silencia a sua edição com programas dedicados ao dia.
Porquê 25 de Maio?
Neste dia de 1963, na Etiópia, foi criada a Organização da União Africana, com o objetivo de defender e emancipar o continente africano. Nove anos depois, a Organização das Nações Unidas estabeleceu o dia 25 de Maio como o Dia da África ou o Dia da Libertação da África. Em 2002 a OUA foi substituída pela União Africana mas a celebração da data manteve-se. O simbolismo desta data nos remete para a ideia duma África mais unida, livre, independente e desenvolvida. O continente que se libertou da colonização das potências europeias e do regime do Aphartaid continua cooperante com as ex-colónias e muito dependente destes.
Esta data é comemorada em todos os países africanos e os africanos residentes nas diásporas também a comemoram.
Em Portugal a maior parte dos africanos conhecem este dia e não ficam indiferentes a data. Vê-se senhoras, jovens e homens nas ruas vestidos com trajos que os identificam ao continente considerado o berço da humanidade. Em algumas escolas e universidades onde a presença africana é grande, realizam-se atividades consagrados ao dia. Festas, debates, exposições de arte e conversas espontâneas sobre diversas realidades deste continente são vividas com intensidade por diversas comunidades e associações socioculturais e de afrodescendentes…

Sevem somente estas festas para que os africanos se divirtam sem qualquer outro significado?
Penso que data deve ser levada mais a sério para justificar a sua existência desde a sua origem.

Atualmente, África é um continente que vive com alguma liberdade política pós-independência, mas enfrenta enormes problemas e desafios para os superar.
O 25 de Maio deve ser um dia de capital importância para os africanos, sobretudo, um dia de tomada da consciência africana para que o povo e as suas elites em toda a parte do mundo façam algo de positivo para continuar a estimular o desenvolvimento deste continente com imensos recursos naturais, mas pobre, com miséria, fome e guerra pela sobrevivência.
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O mais interessante questionarmos, é como em África as pessoas pensam sobre este dia. Mais do que isto, é saber como e o que os africanos podem fazer, a partir do entendimento da importância desta data, para produzir pensamentos ou ações que efetivamente oriente o velho continente ao desenvolvimento humano e económico.
Na Europa, os africanos isoladamente nada podem fazer para a alteração do paradigma de governação e orientação do que deve ser o modelo mais assertivo para dirigir os países de África.

As pessoas ou as organizações que actuam na Europa podem, sim, se organizarem e criarem programas sociais, educativos e empresariais como forma de participarem com maior vigor na vida dos respectivos países. Todas as acções devem ser feitas com o conhecimento ou parceria do governo.
Infelizmente toda a economia feita em África é aplicada na Europa em vez de ser reinvestida no respectivo continente. Pequenas e grandes remessas são sistematicamente enviadas para o Ocidente com o objectivo de absorver os produtos europeus.

África tem que produzir mais. Os africanos têm que fazer mais para sí próprio.
Que projectos os africanos em Portugal, por exemplo, para elevar a sua presença no domínio cultuaral? As organizações existentes que ambições têm para cumprirem este objectivo e abrirem o espaço para a melhor integração na sociedade portuguesa?
O Artáfrica, promovido pela Fundação Gulbenkian na sua fase inicial, é na minha modesta opinião, o único projecto que tem servido a escala internacional para a divulgação e conhecimento dos artistas africanos de expressão portuguesa com um pragmatismo extraordinário.

Quais são os africanos em Portugal que estão a trabalhar no sentido de se ter neste país o centro de arte e cultura africana de referência? Vamos sempre estender as mãos e continuar à espera dos outros para fazerem algo por nós?

No domínio da arte e da cultura, em Portugal, os africanos têm sido quase inertes em iniciativas culturais consistentes que promovam projectos de grande interesse e sustentáveis.
A arte ao serviço do desenvolvimento é o novo e o único meio eficaz para a melhor intervenção e participação dos artistas na busca de soluções de diversos problemas da sociedade no domínio social, económico e cultural.
A arte pela arte não sobriverá ou não trará dividendos de sobrevivência se os artistas pensarem exclusivamente na estética.
A solução para os artistas africanos é a busca de trabalho, produção e comercio cultural num modelo que as indústrias criativas actuais propõem e os mesmos gozarem de liberdade de serem empreendedores e realizarem projectos sustentáveis.
Só.


domingo, 14 de maio de 2017

O Paradoxo das máscaras

Estanislau Neto, Portugal, 2017. Foto: José Chambel. Fonte: Cafuka

Estanislau Neto é filho de pais santomenses e nasceu na década de setenta em N´Dalantando, na província de kwanza Norte, Angola.
Desde muito cedo revelou o gosto pelo desenho. Incentivado pelo meio pré-escolar, começou por fazer desenhos mais elaborados em comparação com os seus colegas de classe, sempre com a preocupação estética em mente.
Elegeu a disciplina de Educação Visual como a favorita ao longo do seu percurso escolar, onde obteve sempre notas mais altas em relação às outras disciplinas, na perspectiva de seguir no futuro uma carreira no domínio das belas artes.
Aos sete anos de idade acompanhado de seus familiares, regressou para São Tomé e Príncipe, viagem à terra natal dos pais, com a finalidade de ali fixarem residência definitivamente, evitando o ambiente de conflito militar que desencadeou-se em Angola na altura entre a UNITA, FNLA e o MPLA. Desde então, passou a viver nas ilhas maravilhosas até a idade adulta. Enraizou-se e envolveu-se naturalmente dentro da cultura santomense, facto que o levou a adoptar a nacionalidade dos seus pais. E desta terra, deve toda a sua formação como homem e artista, enquanto que de Angola recorda algumas memórias visuais de infância, nomeadamente as máscaras e o carnaval.
Como estudante participou em vários eventos escolares a nível de exposições de pintura e somou prémios em concursos de desenho e pintura. Esses eventos proporcionam-lhe alargar o seu leque de amizade com vários artistas e participou na fundação da AAPLAS – Associação dos Artista Plásticos Santomenses. Num ambiente fértil à criatividade, neste meio associativo desenvolve vários projectos de pintura e o seu crescimento como artista foi notabilizado ao ponto de destacar-se entre os artistas mais novos no grupo e participar em exposições colectivas no país e no estrangeiro, tais como a IV e V bienal arte contemporânea bantu no CICIBA, as jornadas luso-bantu no Centro Cultural Português em São Tomé, artistas santomenses no Centro Cultural Português em Luanda, atelier George N’Bourou-Libreville (Gabão), pintura mural na sede do PNUD em São Tomé entre muitos outros projectos artísticos.
Trabalhou como professor no Ensino Secundário de 1990 à 1998 e foi decisivo na orientação e na formação de alguns novos valores que se despertam actualmente no mundo artístico santomense que se tem tornado cada vez mais exigente.



Nos últimos cinco anos uniu-se aos artistas de origem santomense em Portugal e fundaram a Plataforma Cafuka, uma associação onde teve a oportunidade de participar no projecto URB e experimentar várias intervenções urbanas como alternativas expositivas de grande visibilidade na cidade de Lisboa.Neste momento reside em Portugal onde frequentou o curso de Decoração e Arquitectura de Interiores, curso tecnológico da IATA – Instituto de Aperfeiçoamento Técnico Acelerado em Lisboa e no domínio das artes plásticas tem participado em alguns projectos na busca de novas experiências.
Estanislau Neto é um artista inquieto que procura constantemente novos desafios tentando acompanhar o ciclo natural da evolução artística que se tem feito sentir ao longo dos tempos e dos séculos até a actualidade.
Assim, ele está atento a tudo o que o rodeia e com a sua sensibilidade apurada observa com muito interesse as grandes questões humanas e a transformação sociopolítica que ocorre no mundo, com o destaque para os assuntos africanos e a construção da identidade santomense.
Entre a figuração humana e o abstracionismo, o artista inicia o seu percurso pela representação paisagística e durante o seu curso evolutivo experimenta diversas linguagens em simultâneo.
Influenciado pelo pintor Protásio Pina, as obras do Estanislau Neto recria as paisagens da ilha inspiradas no ambiente natural e nas cenas do quotidiano popular.
Mas a afirmação do seu trabalho só é notado nos finais dos anos noventa inserido no movimento dos artistas da AAPLAS, na qual nas composições figurativas de mulheres africanas revelavam em simultâneos ensaios de elementos abstratos, sobretudo padrões geométricos na busca incansável das matrizes de origem africana continental.
Nesta busca identitária continental, procura estudar as expressões das máscaras como o elemento mais conhecido da cultura africana muito falada no seu ambiente social e através da infografia livresca existente no país insular.
No seu último projecto plástico, desenvolve estudos da mímica infantil procurando explorar a verdade da inocência das crianças em contra ponto do cinismo do sujeito adulto que esconde os seus sentimentos e toda a verdade por detrás de falsas máscaras do olhar. O artista sente que é no olhar humano onde a verdade se revela e pode construir a narrativa da felicidade. E o sorriso é a manifestação desse sentimento excelentemente representado nos seus desenhos actuais.



Ao contrário do que tem sido a riquíssima paleta cromática, o pintor através do sorriso e gargalhadas representadas, opta por uma paleta monocromática reveladora da simplicidade interior que entende fluir desta verdade que procura com alguma dificuldade, ainda, de explicar através do discurso oral. Mas o sorriso está aí, presente negando as contradições iconográficas e psicológicas que só o discurso antropológico revelaria por um lado os sinais de busca identitária e por outro lado a psicanálise a explorar os sinais ideais de um novo universo tanto desejado pelo artista como modelo de sociedade.O Estanislau quis através do sorriso trazer uma imagem de alegria que refletisse o futuro das crianças, na realidade de territórios onde estas constituem o maior número populacional, a memória da sua infância, num momento em que o mundo vive momentos muito difíceis.
E particularmente a sociedade de São Tomé e Príncipe sendo muito complexa e a leveza do universo infantil trazendo outras formas simples de observar o mundo, numa abordagem não muito comum, com temas de alegria das crianças representados nas artes, comunica a ideia de esperança de um país melhor segundo a opinião do artista.
Actualmente o artista plástico representa o país na VI Bienal de Arte e Culturas Lusófonas em Odivelas, onde mostra as suas pinturas da série “Sorrisos”, no Centro de Exposições de Odivelas, patente ao público até finais de Maio.

Fonte: http://cafuka.com/estanislau-netoIsmael Sequeira, Maio de 2017.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios


O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios é celebrado a 18 de abril, e em São Tomé e Príncipe esta data não foi comemorada por razões alheias ao Ministério de Educação Cultura e Ensino.
Um país que quer viver do turismo e de economia cultural não deve distanciar desta referência promocional para os seus bens culturais e patrimoniais como factor pedagógico por um lado e económico por outro lado. A indústria cultural não está montada e nem o público conhece a estratégia para montar esta indústria, articulando esforços e cooperação intersectorial, juntando os interesses da Direcção Nacional de Cultura à Direcção do Turismo, Ministério da Agricultura, Ministério da Economia e a Direção da Finanças. A estes ainda juntar-se-ia o a Direção do Ensino. Todas essas instituições poderiam juntar-se e elaborarem um macro plano para a gestão e exploração dos patrimónios edificados e sítios com o interesse de servir o público nacional e atrair o público turista.
Se o país tem um vasto leque patrimonial natural, arquitetónico e cultural, esses devem ser estudados, conservados e mostrados. Não compreendo como é que as organizações estatais e culturais privadas não sabem tirar proveito destas oportunidades para dinamizarem as suas actividades!
Sabemos que muitas roças estão abandonadas. Não seria esta data oportuna para ser promovido debate nacional sobre o património nacional e ser promovida visitas às roças como alerta a conservação desses grandes bens por nós herdados do colonialismo?
Neste objectivo cultural, a Direcção de Cultura e a Direção de turismo deveriam ser dois parceiros institucionais aliados na defesa e promoção do património nacional e este segundo o responsável pela estratégia de marketing e exploração desses bens no mercado turístico.
São Tomé e Príncipe tem mais de 150 roças divididas em grandes, médias e pequenas propriedades agrícolas, tem lindíssimas paisagens naturais e geológicas, ambientes marítimos e terrestres com vegetação primária, locais simbólicos no contexto histórico, religioso e cultural que podem constituir percursos temáticos de uma riqueza extraordinária. Potencializemos esses recursos com um bom planeamento, programação e respectiva divulgação.
A data visa promover os monumentos e sítios históricos e valorizar o patrimônio nacional, ao mesmo tempo que tenta alertar para a necessidade da sua conservação e proteção.
A data foi instituída a 18 de Abril de 1982 pelo ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), uma associação de profissionais da conservação do património, e aprovada pela UNESCO em 1983.
O tema de 2017 é " Património Cultural e Turismo Sustentável".

domingo, 9 de abril de 2017

Budo Budo


Budo, do crioulo forro, significa pedra em português.

Para qualquer santomense “budo” é uma palavra forte com mais do que um significado e que ganha outros sentidos dependendo do contexto em que for utilizado.  Pedra, esta matéria geológica, este ser inanimado, rija, rude, resistente, agressivo, é uma arma de combate violento e também é um elemento que ajuda a erguer estruturas de um edifício. A metáfora do “budo” está tão presente nas memórias do Valdemar Dória que este recorda e conta histórias da sua infância em São Tomé para falar do basalto, a pedra vulcânica mais comum no arquipélago, que convive mergulhado poeticamente na rocha vermelha, de oxido de ferro, no mar, no rio e pico mais próximo do céu insular.  

Assim, “Budo Budo”, que é “pedra a pedra”, é a metáfora para o artista construir o seu discurso expositivo. Ora contando narrativas, com descrições gráficas muito saturadas e outras vezes simplificando a sua composição a um único elemento formal centralizado no suporte pictórico. Nesta exposição, ele trás ao observador um conjunto de trabalhos de escala reduzida, mas de uma matéria plástica de grande luz, pois a ausência no preto de marfim muito utilizado para definir as formas não fora utilizado.

Não é a primeira vez que o Valdemar pinta sobre objectos funcionais como a “gamela”, cujo formato redondo obriga-o a inovar o tratamento plástico das suas criações.

Se através desses objectos tradicionais há uma ligação com a matriz identitária na qual recorre frequentemente para encontrar justificações das suas realizações, também é verdade que em simultâneo esses referentes culturais são suportes estruturais para recriar um diálogo capaz de revelar intencionalmente o caminho que pretende construir. Entre a memória etnográfica e as vivências urbanas, o artista experimenta imprimir novos significados, de sentimentos contraditórios próprios do tempo actual em que as incertezas socioculturais, económicas e políticas estão muito presentes.

Na Lilliput, talvez a mais pequena galeria do mundo, situada num belo espaço a beira-rio na Vila franca de Xira podemos visualizar o ambiente que tenha, talvez, inspirado o Valdemar Dória a apresentar esta proposta plástica carregado também de significados emocionais das suas vivências urbanas lisboetas e memórias de infância.

domingo, 26 de março de 2017

Um projecto de sonho


Há cinco anos atrás, um grupo de amigos e artistas santomenses residentes em Portugal criaram uma estrutura humana e virtual capaz de orientar e apoiar criadores em projectos, acções culturais e de artes plásticas num futuro a médio prazo.  

Estes reúnem-se em consenso e interesse em formalizar o grupo em associação como a melhor estrutura socio-cultural capaz de dar respostas aos objectivos pensados, assim nasce a Plataforma Cafuka no dia três de Março de dois mil e doze com a grande missão de projectarem as mais-valias culturais, artísticas e sociais do mundo lusófono.

Durante os anos 90, a emigração dos jovens artistas santomenses para Portugal; uns para estudarem, outros para participarem maioritariamente na exposição universal de Lisboa em 1998 e alguns para melhorarem as suas condições de vida, permitiu a criação de ambiente propício e motivador para os mesmos continuarem a dedicar-se às artes plásticas. Mas só uma minoria conseguiu integrar-se no meio artístico português continuando sistematicamente a produzirem arte.

A ideia de formarem uma associação artística continuava a ser muito bonita, mas a falta de liderança e indisponibilidade para assumirem esta responsabilidade resultou em fracasso em 2005 e em 2008. A participação em projectos colectivos até 2011 proporcionou um ambiente fértil para a união destes artistas, cuja cumplicidade amadureceu a ideia para o nascimento desta sonhada associação cultural: a Plataforma Cafuka.

Os fundadores e mentores desta plataforma de artistas santomenses, formados em diferentes áreas profissionais e artísticas partilhando ideias comuns facilitam a criação de alguns projectos estruturantes como “Integração URB”, “Frigoteca Kwá Non”, “Roça Criativa” e “Sítio Cafuka”, para elevar as artes plásticas santomenses para um palco de maior visibilidade em Portugal e no arquipélago.

A constituição de parcerias com a Zebra – ass Cultural, a Quadra Solta – Espaço Q, a Embaixada de São Tomé e Príncipe em Portugal, a ACOSP, a Mén Non entre outras organizações comunitárias e artísticas tem ajudado a concretização destes projectos e a realização doutros como o “África Mostra-se” ou o intercâmbio artístico com os artistas da cidade do Porto.

Os cinco anos, finalmente serviram para dar corpo ao grupo Cafuka, sonho antigo de unir artistas, homens das artes, de ideias convictas, criativos e capazes de gerar um movimento artístico-cultural e projectar para além do horizonte os valores identitários santomenses e lusófonos numa perspectiva  mais universal.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Desenhos de uma vida


Valdemar Dória, um artista talentosamente compulsivo e nato que brota uma cascata de talento expressivo. E o desenho é o seu forte mecanismo de comunicação.

Como a maior parte das crianças, ele desenhava muito. Desenhava mais do que os seus colegas meninos da sua infância escolar e como artista plástico expressa-se através do desenho mais do que muito dos artista do seu meio social. É extraordinário a sua manifestação através do traço sobre tudo ou todo o suporte em que se apropria, incluindo os eletrodomésticos do seu habitat. Tudo é suporte e todos os suportes servem para desenhar.
É através desta visão é que olhamos ontologicamente esta série de desenhos que o artista desenvolveu ao longo dos últimos quinze anos de seu exercício como artista plástico.
O Valdemar nasceu em São Tomé e Príncipe e emigrou-se para Portugal com a sua mãe na idade pré escolar. Em Lisboa estudou e nesta fase da sua vida o desenho afirmou na sua vida como o revelador do que haveria de ser o seu futuro. Desenhava nos cadernos de todas as disciplinas escolares. Actualmente os diários gráficos tornaram-se autênticas obras de arte com narrativas autobiográficas e de memórias visuais por explorar. Tal como a Maria João Mota, antropóloga e professora universitária que acompanhava os seus trabalhos cita: “ O Valdemar guarda os seus cadernos de desenho que tem feito ao longo do seu percurso criativo, e, alguns pormenores desses mesmos desenhos são reproduzidos e pintados sobre telas ou serapilheira. As composições pictóricas apresentam variados elementos sobrepostos e ou bustos isolados…
Ele identifica-se e representa a cultura de São Tomé e Príncipe através da ausência temporal e distanciamento geográfico que sente relativamente a ela. A ausência é pensada em relação ao contexto urbano lisboeta da sua vida quotidiana e nas práticas que, como a criativa, lhe fazem relembrar o país natal.”
“I. Sequeira: – Só uma nota a propósito do trabalho de Valdemar. Nas suas composições, entre as várias linhas há sempre a introdução de vários ícones que se repetem como: os olhos, as mãos, os dedos, e depois sempre uma pequena recordação que ficou para trás. Porque Valdemar veio pequeno para Portugal e ficou com pequenas lembranças e de forma inconsciente ele vai-se libertando com essas imagens do seu passado. Há sempre qualquer coisa relacionada com a terra natal nos seus trabalhos ou então, a experiência urbana da vida cotidiana, da paisagem que caracteriza particularmente Lisboa.
Embora não pareça à primeira vista Lisboa, mas é a referência do espaço suburbano lisboeta que motivou Valdemar a fazer esse tipo de representação…” (Maria João Mota In (Entre Artes , Em Lisboa) pág. 208.
Nesta seleção de desenhos há um denominador comum: rostos. Os rostos, representados com insistência, na tentativa de identificar ou exprimir o sentimento compulsivo do seu comportamento na busca sistemática da sua identidade não resolvida por um urbanismo vivido com diversos factores de afirmação social. Que fatores são esses?
  1. A condição incondicional de ser negro numa metrópole europeia.
  2. A injustiça social e a falta de oportunidade de lutar em condições de igualdade de direitos.
  3. O passado colonial que assombra o presente.
  4. A integração plena… entre outros. Os rostos expressivos representados nos seus desenhos questionam e manifestam o quotidiano duma vida da urbanidade europeia em simbiose com as memória de um passado do seu território de origem.
Actualmente, a construção de um novo espaço assimilado, baseado na geografia da realidade euro africana, numa visão muito pessoal do artista é o caminho a experimentar um discurso plástico para comunicar valores desta sociedade contemporânea numa perspectiva mais universal sem se esquecer da sua identidade cultural de origem.

Ismael Sequeira
Odivelas, 3 de Março de 2017