domingo, 25 de junho de 2017

A falta de papel e materiais de pintura no início de 1980


Eustáquio Amaral Lombá. O meu amigo Lombá.

Após a morte do meu pai em Luanda, eu e a minha mãe regressamos para São Tomé em 1974. Tínhamos tudo preparado para vivermos em Angola e possivelmente mudarmos para Lisboa depois de ter vencido o concurso para trabalhar na Direcção das Finanças de Lisboa, mas a morte pregou-lhe a partida. Enfim…

Neste mesmo ano aprendi rapidamente a leitura e escrita com a minha avó Lili através do livro “João de Deus”. Foi tudo muito rápido! A febre da leitura e do conhecimento livresco levou-me a ler e quase decorar os 24 volumes da enciclopédia do tio Moreno. Queria saber quase tudo. Era curioso. Chato e perguntava muito. Falava que nem uma rádio FM. E tinha maninha que era o Leonardo da Vince da actualidade.

A guerra civil em Angola tinha se intensificado em Angola. O Tio Moreno e a tia Ticha tinha enviado quase tudo o que tinham para São Tomé e Príncipe para se protegerem da guerra inclusive, os seus três filhos, Carina, Altemiro e a Cláudia temporariamente foram se abrigar na ilha maravilhosa do Equador. De todo o bem material enviado, as enciclopédias era o que mais atraiu e mereceu a minha dedicação. Desde questões matemáticas que dada entendia (porque não sabia…) à filosofia e as artes tudo procurei saber e eram motivos de conversa que levava aos adultos que por sua vez não sabiam “patavina de nada” daquilo que eu falava e comentavam que eu era doido porque falava de coisas que só os adultos deveriam saber.

Conheci o Lombá, ainda muito novinho, quando trabalhava na secção do jornal Revolução, na rua do Rosário, através na minha mãe depois de ser a secretária da Dona Alda do Espirito Santo trabalhou nesta mesma secção do Ministério da Informação. Simpático e muito atencioso era ele uma das pessoas com quem muito conversava, dava-lhe agradáveis “secas” e pedia-lhe cartolina para desenhar. Pedia cartolina para muitas pessoas. Mas o Lombá era um dos meus fornecedores nacionais.

Também coleccionava selos. E estava habituado a fazer uma ronda mensal por todas as embaixadas estrangeiras que existiam no país, assim como em vários ministérios da função pública para pedir selos das correspondências vindas do exterior. Enquanto estabelecia contactos com diversos funcionários destes sectores fui fortalecendo a minha aproximação com estes e assim quando ia a procura de selos para a minha colecção, também pedia cartolinas para desenhar. Cada vez que o fazia, levava um desenho novo para mostrar a toda gente que encontrava pelos sítios o desenho feito. Exibia-os com orgulho. Ninguém ficava indiferente. Se tivessem cartolinas novas, davam-mos satisfeitos e esperançosos em mostrar-lhes novos desenhos.

Em 1982/83 deu-se a crise nacional a nível ambiental e a esta junta-se a económica. A seca e a escassez de todos os produtos que vão dos géneros alimentícios aos materiais escolares afectaram as pessoas de todas as classes sociais. A agravante é que só existia duas ligações aéreas por semana e os cooperantes estrangeiros eram os únicos que tinham condições de importarem diversos bens do exterior. Fazia-se na altura troca de bens importados por produtos manufacturados na ilha, incluindo obras de arte e artesanato. O Cesaltino, o Protásio Pina, o Filipe Santo, o Jone, o mestre Veoide entre outros eram os que mais trocas faziam para obterem os materiais que não tinham no país. Como ainda era criança, os estrangeiros continuavam a oferecer-me cartolina que parecia o bem mais precioso para a pintura. Os artistas plásticos pintavam mais sobre papel, porque não havia telas, panos ou nem o simples pano-cru, que tinha diversas utilidades. Servia para fazer velas para canoa, roupas de interior para homem e mulheres, roupas de trabalho para padeiros e raras vezes telas para os artistas. O saco de faria de trigo que era feito de pano-cru era um bem precioso por isso quase não restava para os artistas pela grande procura que havia.

Por conseguir um estoque suficiente para fazer os meus desenhos diários sobrava-me algumas desenhas para partilhar com os meus amigos Cesaltino, Protásio, Romeu Pascoal entre outros.

A todas as pessoas, nacionais e estrangeiras, que ofereceram-me cartolinas na infância para que eu pudesse desenhar eu agradeço do fundo do coração.

Tinha lido nos livros de história universal dos meus tios que os egípcios faziam suportes de papiro para a escrita e desenho, mas não tinha conhecimento ainda para o fazer e mesmo que o tivesse nas ilhas não existiam plantas com fibras semelhantes para o fazer. Se fosse na actualidade até faria papel de fibra de bananeira e suportes de outras plantas.
Esta realidade só começou a se alterar a partir de 1985 com a evolução das condições socioeconómicas e politica que o país viveu.

O Lombá viajou e eu continuei com os outros amigos na ilha nas aventuras de busca de material.