Eustáquio Amaral Lombá. O
meu amigo Lombá.
Após a morte do meu pai em
Luanda, eu e a minha mãe regressamos para São Tomé em 1974. Tínhamos tudo
preparado para vivermos em Angola e possivelmente mudarmos para Lisboa depois
de ter vencido o concurso para trabalhar na Direcção das Finanças de Lisboa,
mas a morte pregou-lhe a partida. Enfim…
Neste mesmo ano aprendi
rapidamente a leitura e escrita com a minha avó Lili através do livro “João de
Deus”. Foi tudo muito rápido! A febre da leitura e do conhecimento livresco
levou-me a ler e quase decorar os 24 volumes da enciclopédia do tio Moreno.
Queria saber quase tudo. Era curioso. Chato e perguntava muito. Falava que nem
uma rádio FM. E tinha maninha que era o Leonardo da Vince da actualidade.
A guerra civil em Angola
tinha se intensificado em Angola. O Tio Moreno e a tia Ticha tinha enviado
quase tudo o que tinham para São Tomé e Príncipe para se protegerem da guerra
inclusive, os seus três filhos, Carina, Altemiro e a Cláudia temporariamente
foram se abrigar na ilha maravilhosa do Equador. De todo o bem material
enviado, as enciclopédias era o que mais atraiu e mereceu a minha dedicação.
Desde questões matemáticas que dada entendia (porque não sabia…) à filosofia e
as artes tudo procurei saber e eram motivos de conversa que levava aos adultos
que por sua vez não sabiam “patavina de nada” daquilo que eu falava e
comentavam que eu era doido porque falava de coisas que só os adultos deveriam
saber.
Conheci o Lombá, ainda muito
novinho, quando trabalhava na secção do jornal Revolução, na rua do Rosário,
através na minha mãe depois de ser a secretária da Dona Alda do Espirito Santo
trabalhou nesta mesma secção do Ministério da Informação. Simpático e muito
atencioso era ele uma das pessoas com quem muito conversava, dava-lhe
agradáveis “secas” e pedia-lhe cartolina para desenhar. Pedia cartolina para
muitas pessoas. Mas o Lombá era um dos meus fornecedores nacionais.
Também coleccionava selos. E
estava habituado a fazer uma ronda mensal por todas as embaixadas estrangeiras
que existiam no país, assim como em vários ministérios da função pública para
pedir selos das correspondências vindas do exterior. Enquanto estabelecia
contactos com diversos funcionários destes sectores fui fortalecendo a minha
aproximação com estes e assim quando ia a procura de selos para a minha
colecção, também pedia cartolinas para desenhar. Cada vez que o fazia, levava
um desenho novo para mostrar a toda gente que encontrava pelos sítios o desenho
feito. Exibia-os com orgulho. Ninguém ficava indiferente. Se tivessem
cartolinas novas, davam-mos satisfeitos e esperançosos em mostrar-lhes novos
desenhos.
Em 1982/83 deu-se a crise
nacional a nível ambiental e a esta junta-se a económica. A seca e a escassez
de todos os produtos que vão dos géneros alimentícios aos materiais escolares
afectaram as pessoas de todas as classes sociais. A agravante é que só existia
duas ligações aéreas por semana e os cooperantes estrangeiros eram os únicos
que tinham condições de importarem diversos bens do exterior. Fazia-se na
altura troca de bens importados por produtos manufacturados na ilha, incluindo
obras de arte e artesanato. O Cesaltino, o Protásio Pina, o Filipe Santo, o
Jone, o mestre Veoide entre outros eram os que mais trocas faziam para obterem
os materiais que não tinham no país. Como ainda era criança, os estrangeiros
continuavam a oferecer-me cartolina que parecia o bem mais precioso para a
pintura. Os artistas plásticos pintavam mais sobre papel, porque não havia
telas, panos ou nem o simples pano-cru, que tinha diversas utilidades. Servia
para fazer velas para canoa, roupas de interior para homem e mulheres, roupas
de trabalho para padeiros e raras vezes telas para os artistas. O saco de faria
de trigo que era feito de pano-cru era um bem precioso por isso quase não
restava para os artistas pela grande procura que havia.
Por conseguir um estoque
suficiente para fazer os meus desenhos diários sobrava-me algumas desenhas para
partilhar com os meus amigos Cesaltino, Protásio, Romeu Pascoal entre outros.
A todas as pessoas,
nacionais e estrangeiras, que ofereceram-me cartolinas na infância para que eu
pudesse desenhar eu agradeço do fundo do coração.
Tinha lido nos livros de
história universal dos meus tios que os egípcios faziam suportes de papiro para
a escrita e desenho, mas não tinha conhecimento ainda para o fazer e mesmo que
o tivesse nas ilhas não existiam plantas com fibras semelhantes para o fazer.
Se fosse na actualidade até faria papel de fibra de bananeira e suportes de
outras plantas.
Esta realidade só começou a
se alterar a partir de 1985 com a evolução das condições socioeconómicas e
politica que o país viveu.
O Lombá viajou e eu
continuei com os outros amigos na ilha nas aventuras de busca de material.